quarta-feira, 30 de setembro de 2009

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O ato de escrever é uma forma de compartilhar tudo que se tem de bom e de mau com o mundo: o mais recôndito de seus sentimentos, de suas vontades. Revelar-se ao outro e encontrar-se nele; esse é o viver sem fronteiras...
Creio que o globalizar-se é viajar na literatura, nas ambiências das histórias, porque todos - que escrevemos - esperamos ser lidos, esvaziar-se no outro, compartilhar nossas vicissitudes, acertos, dissidências...
Escrever é comungar, é multiplicar, é dar-se ao outro e esperar: a comunhão, a multiplicação das ideias, das dúvidas, das alegrias; quiçá receber a descomunalidade...

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Oxalá

Enquanto escrevo olho pela minha janela: o céu da primavera a metamorfosear-se num plúmbeo, carregado de chuva... Fez-me lembrar do desfecho de um de meus livros favoritos: "Ao ver aquela tanta água, lembrei-me das redacções que fazíamos sobre a chuva, o solo, a importância da água. Uma camarada professora que tinha mania que era poeta dizia que a água é que traz todo aquele cheiro que a terra cheira depois de chover, a água é que faz crescer novas coisas na terra, embora também alimente as raízes dela, a água faz 'eclodir um novo ciclo', enfim, ela queria dizer que a água faz o chão dar folhas novas. Então pensei: 'Epá... E se chovesse aqui em Angola toda...?' Depois sorri. Sorri só." (Ondjaki. Bom dia Camaradas) Também tenho essas ideias, às vezes; uma transformaçãozinha aqui no Brasil, no brasileiro não seria de todo mau.
Ver nossa gente a ser gentil com o próximo; o rico a acolher o pobre, estender-lhe a mão, ou mesmo políticos honestos?! Seria de todo mau?! Oxalá chova no Brasil!
Depararmo-nos com as realidades do dia a dia dói... crianças subnutridas; famílias sem guarida; homens a envenenar-se com seu ópio; o ódio que consome, mata, destrói... Oxalá chova no Brasil!

domingo, 27 de setembro de 2009

Igreja Reformada a reformar-se?

“Pai santo, pelo poder do teu nome, o nome que me deste, guarda-os para que sejam um, assim como tu e eu somos um.” Jo 17: 11b

No ano de nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e sessenta, firmara-se, nos ideais Calvinistas, o presbiterianismo do escocês John Knox. Uma história nascia. Uma igreja histórica nascia. Solícita amadurecia, também em territórios americanos, embebida no desejo de expandir o reino da graça e da esperança de nosso Salvador: chegara, não a galope, mas desembarcara com Ashbel Green Simonton em doze de agosto de mil oitocentos e cinquenta e nove (os cento e cinquenta anos os quais comemoramos de Presbiterianismo no Brasil) em território brasileiro.
Desses cento e cinquenta anos, cento e seis aniversaria nossa Igreja Presbiteriana Independente – após uma triste divisão do “corpo de Cristo”, não perdemos, contudo, o Espírito o qual nos move a orar, a vivermos em “novidade de vida” e a evangelizar. O ensejo deve, portanto, levar-nos a reflexão: o Presbiterianismo brasileiro vive ainda os moldes da Reforma? Ainda é uma igreja reformada a reformar-se?
Que faria Jesus em nossos dias? Sairia a pregar a boa notícia: “sou o caminho, a verdade e a vida”, “o bom pastor”, “a fonte de água da vida”, “pão da vida”, “a ressurreição e a vida”, “a videira verdadeira”.
“Somos embaixadores de Cristo”, nossa missão é pregar o Evangelho, as boas novas da salvação e vivê-las. Pregar a mensagem da cruz de Cristo, porquanto nela encontramos salvação (e todas as promessas), representa, pois, nossa esperança, o motivo de nossa fé e pela qual há de se viver – “A teologia da cruz é, portanto, no passado e no presente, uma teologia de esperança para os desesperados, da aparente fraqueza e loucura da Igreja cristã.” (excerto parafraseado por Mark Shaw de Lutero). Se morremos com Ele; temos de viver como e para Ele, pois “Se continuarmos a suportar o sofrimento, também reinaremos com Cristo.” (II Tm 2:12).
Lutemos, portanto, pela unidade da Igreja: “Como fiel soldado de Cristo Jesus, tome parte no seu sofrimento. Pois, no serviço ativo, um soldado quer agradar o seu comandante e por isso não se atrapalha com os negócios da vida civil.” (II Tm 2:3-4). Trabalhemos pela construção do corpo de Cristo “Desse modo todos chegaremos à unidade na nossa fé e no nosso conhecimento do filho de Deus. E assim seremos pessoas maduras, pois cresceremos até alcançar a altura espiritual de Cristo.” (Ef 4: 13).
No simbólico trinta e um de julho, reflitamos nossa condição de cristãos: somos pequenos ungidos e temos como mandamento, da parte de nosso Senhor, pregar, viver segundo os preceitos bíblicos, exortar, amar, reformar-se... em Espírito e em Verdade! Celebrar a vida do Cristo ressurreto nos sacramentos que “trazem a morte de Cristo e todos os seus benefícios à nossa lembrança, para que a nossa fé possa ser mais bem exercida.” (Calvino). Porque exercer a fé é semeá-la nos corações arados pelo Senhor, nosso Deus, corações inóspitos e sedentos de amor e de salvação. “Porque somos dominados pelo amor que Cristo tem por nós, pois reconhecemos que um homem morreu por todos, o que quer dizer que todos tomaram parte na sua morte. Ele morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que morreu e ressuscitou para o bem deles.” (II Co 5: 14-15).
Soli Deo Gloria

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Reminiscências

Às vezes, eu me sinto pouco Matilda – para àqueles que a desconhecem, explico: Matilda é a história de uma menina autoditada, doce, inteligente, amorosa, a qual vivia num ambiente familiar muito diferente dela: o pai, vendedor de carros usados com peças roubadas; a mãe vivia a preocupar-se apenas com a aparência; o irmão era um “toupeira”. Seu sonho era ir à escola. Até que, por muita insistência de sua parte, o pai a matriculou. Conheceu uma professora tão doce como ela e as duas viveram momentos muito peculiares de felicidade. Voltemos agora ao início da ideia: sinto-me Matilda, motivo? Vejamos... não me identifico muito com os membros de minha família, por alguns motivos semelhantes aos de Matilda. E é nesse ponto em que ao longo da vida deparamo-nos com novos membros da família, os de adoção. Muitos dos quais nos reconhecemos como irmãos, pai, mãe, avô...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

[In] dependência

Rememoramos no último sete de setembro nossa carta de alforria: a liberdade. Mas a que se refere essa tal liberdade?
Vivemos [in] dependência dos políticos, de suas leis, do empobrecimento: social, cultural, quantos outros "als" imaginar...
Comemorar o que não se tem, é sonhar com o impossível: mera quimera do pobre do homem, o qual trabalha, paga seus impostos, não tem aumento salarial. Aumentam-lhe as dívidas, as dificuldades, a pobreza, a desigualdade...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Na calçada: meia vela e Dario

Reescrita do conto de Dalton Trevisan

De sombrinha na mão esquerda, Dario vinha apressado pela rua, virou a esquina, meio cansado, parou, recostou numa parede de uma casa qualquer. Deslizou, assentou na calçada que ainda estava molhada da chuva e pôs seu cigarro sobre uma pedra.
Dois ou três transeuntes começaram a questionar se se sentia bem. Dario, porém, apenas mexia os lábios, sem que nenhuma palavra fosse dita. O homem gordo, de roupa branca, sugeria se ele não estava a ter um ataque epilético.
Dario, no entanto, recaia-se mais sobre a calçada, agora estendido. O cigarro apagou-se. O moço de cavanhaque pediu passagem para que abrissem espaço para o homem respirar. Desafogou- lhe o paletó, o colarinho, a gravata e o cinto. Tiraram-lhe os sapatos, Dario soltou um ruído alto e feio, e bolhas espumavam-lhe boca afora.
Pessoas chegavam e procuravam avistar o acontecido, mas nada viam. A vizinhança conversava, as crianças com o barulho acordaram e de pijama espreitavam nas janelas. O homem gordo narrava os passos de Dario até aquele momento: recostou-se na parede, escorregou por ela e sentou no chão, encostou a sombrinha na parede, ainda a soltar a fumaça do cigarro. Já subtraídos.
Uma velhota de cabelos branquinhos gritava que Dario estava a morrer. Alguns o agarraram e o enfiaram num táxi parado na esquina. Dentro do carro, o taxista perguntava: quem pagaria a corrida? Aí chamaram o SAMU. Devolveram-no a calçada fria e molhada, puseram as costas apoiadas na parede – já não havia mais sapato, nem alfinete da gravata.
Levaram-no até a farmácia, mas o corpo era muito pesado, por isso largaram-no em frente à peixaria. Uma moscaiada pousava na cara dele, mas nem assim se mexia.
O café da esquina abrigava agora todo os curiosos do acontecido, deliciavam-se com os comes e bebes e com a noite. Dario permaneceu do mesmo jeito que o deixaram, já sem o relógio.
Outro sujeito muito do curioso averiguou-lhe os bolsos: papéis e muitos objetos retirados da camisa branca. Assim descobriram: nome, idade, marca de nascimento, e que era de outra cidade.
A viatura da polícia chegou; a multidão de mais de duzentas pessoas (conforme registro policial), ocupava toda rua e mais a calçada. Muitos passavam por cima do corpo, dezessete ao todo.
Um dos guardas chegou próximo ao corpo o qual estava irreconhecível e de bolsos vazios. O único bem que ainda lhe restava era a aliança na mão esquerda, porque ainda vivo não conseguia tirá-la sem que usasse um sabãozinho. Um comodoro preto o levaria.
Uma das bocas presentes retransmitia a notícia: Ele morreu, morreu. O povo todo se ia. O coitado levou duas horas para morrer, ninguém acreditava. Morrer assim? Já se podia ver o presunto.
Um velhinho muito apiedado da situação, retirou-lhe o paletó, afofou e pôs a cabeça do pobre em cima. Colocou as mãos cruzadas sobre a barriga. Os olhos e a boca abertos não puderam ser fechados, não espumava mais. Ainda, nas janelas, alguns curiosos descansavam seus cotovelos sobre as almofadas.
Um pretinho de pés descalços trouxe uma vela, acendeu e pôs ao lado do presunto. Quem olhava tinha a impressão de ele estar morto há anos, sem cor de tanta chuva.
As janelas seguiam a fechar-se: uma a uma. Exatamente após três horas, Dario, ainda estirado no chão da calçada, esperava o comodoro preto. Com a cabeça numa pedra, porque já não havia paletó, nem aliança, nem nada. A vela, pela metade, cansou de esperar e apagou-se com a chuva que voltava a descer.
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