sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Na calçada: meia vela e Dario

Reescrita do conto de Dalton Trevisan

De sombrinha na mão esquerda, Dario vinha apressado pela rua, virou a esquina, meio cansado, parou, recostou numa parede de uma casa qualquer. Deslizou, assentou na calçada que ainda estava molhada da chuva e pôs seu cigarro sobre uma pedra.
Dois ou três transeuntes começaram a questionar se se sentia bem. Dario, porém, apenas mexia os lábios, sem que nenhuma palavra fosse dita. O homem gordo, de roupa branca, sugeria se ele não estava a ter um ataque epilético.
Dario, no entanto, recaia-se mais sobre a calçada, agora estendido. O cigarro apagou-se. O moço de cavanhaque pediu passagem para que abrissem espaço para o homem respirar. Desafogou- lhe o paletó, o colarinho, a gravata e o cinto. Tiraram-lhe os sapatos, Dario soltou um ruído alto e feio, e bolhas espumavam-lhe boca afora.
Pessoas chegavam e procuravam avistar o acontecido, mas nada viam. A vizinhança conversava, as crianças com o barulho acordaram e de pijama espreitavam nas janelas. O homem gordo narrava os passos de Dario até aquele momento: recostou-se na parede, escorregou por ela e sentou no chão, encostou a sombrinha na parede, ainda a soltar a fumaça do cigarro. Já subtraídos.
Uma velhota de cabelos branquinhos gritava que Dario estava a morrer. Alguns o agarraram e o enfiaram num táxi parado na esquina. Dentro do carro, o taxista perguntava: quem pagaria a corrida? Aí chamaram o SAMU. Devolveram-no a calçada fria e molhada, puseram as costas apoiadas na parede – já não havia mais sapato, nem alfinete da gravata.
Levaram-no até a farmácia, mas o corpo era muito pesado, por isso largaram-no em frente à peixaria. Uma moscaiada pousava na cara dele, mas nem assim se mexia.
O café da esquina abrigava agora todo os curiosos do acontecido, deliciavam-se com os comes e bebes e com a noite. Dario permaneceu do mesmo jeito que o deixaram, já sem o relógio.
Outro sujeito muito do curioso averiguou-lhe os bolsos: papéis e muitos objetos retirados da camisa branca. Assim descobriram: nome, idade, marca de nascimento, e que era de outra cidade.
A viatura da polícia chegou; a multidão de mais de duzentas pessoas (conforme registro policial), ocupava toda rua e mais a calçada. Muitos passavam por cima do corpo, dezessete ao todo.
Um dos guardas chegou próximo ao corpo o qual estava irreconhecível e de bolsos vazios. O único bem que ainda lhe restava era a aliança na mão esquerda, porque ainda vivo não conseguia tirá-la sem que usasse um sabãozinho. Um comodoro preto o levaria.
Uma das bocas presentes retransmitia a notícia: Ele morreu, morreu. O povo todo se ia. O coitado levou duas horas para morrer, ninguém acreditava. Morrer assim? Já se podia ver o presunto.
Um velhinho muito apiedado da situação, retirou-lhe o paletó, afofou e pôs a cabeça do pobre em cima. Colocou as mãos cruzadas sobre a barriga. Os olhos e a boca abertos não puderam ser fechados, não espumava mais. Ainda, nas janelas, alguns curiosos descansavam seus cotovelos sobre as almofadas.
Um pretinho de pés descalços trouxe uma vela, acendeu e pôs ao lado do presunto. Quem olhava tinha a impressão de ele estar morto há anos, sem cor de tanta chuva.
As janelas seguiam a fechar-se: uma a uma. Exatamente após três horas, Dario, ainda estirado no chão da calçada, esperava o comodoro preto. Com a cabeça numa pedra, porque já não havia paletó, nem aliança, nem nada. A vela, pela metade, cansou de esperar e apagou-se com a chuva que voltava a descer.

Um comentário:

J.F.AGUIAR disse...

Ju, você escreveu um belo conto, o amor de muitos se esfriará, a falta de sensibilidade
pelo próximo. Ju eu escrevi um poema chamado
o trajeto de um ex-menino, parecido com o seu Dario; Você emprosou muito
bem.

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