quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Milagre em São Domingues

“...‘Ao Deus Desconhecido’. Pois esse Deus que vocês adoram sem conhecer é justamente aquele que eu estou anunciando a vocês.” Atos 17:23b

Das primeiras letras as quais aprendera Constância não nutria por elas amor, porquanto, pertencia a uma família de alto padrão social. Tinha uma vida vazia ainda que obtivesse tudo que desejava, seus pais realizavam todos os seus caprichos, todos os seus desejos... Era uma menina triste. Porém, sua vidinha, ao que parecia, rumava a uma abundância diferente: na escola em que estudava sua professora Clarice, a obedecer ao projeto social do planejamento escolar, organizou um encontro entre os alunos da escola com um estrato social distinto ao qual estavam habituados.
Eis que começa nossa história...
Viajaram alguns quilômetros até chegarem ao destino: um vilarejo humilde em que crianças como elas trabalhavam na lida. A professora conhecia com propriedade aquela rotina, pois trabalhara como qualquer criança daquele lugar, ou melhor, conhecia a todos que viviam naquele cenário. Nascera no vilarejo, e vivera sua infância lidando com a terra, alimentara os animais e ajudara sua mãe nos afazeres domésticos. Tivera uma vida simples.
Houvera um trabalho missionário dentro de um sítio não muito distante dali, todos conheciam o seu Zé, dono do sítio, em que Clarice todas as quartas-feiras visitava para ouvir os causos que narrava com toda sua simplicidade e encanto, foi atraída pelas suas histórias... Seu Zé era um homem simples, caboclo, semi-analfabeto, migrou do Ceará na década de sessenta, conquistara um pedaço de terra com muito suor de seu rosto. Gostava de contar suas histórias para as crianças da circunvizinhança. Um dia conheceu um jovem missionário, Artur, o qual era professor, e o convidou para uma prosa enquanto chupava mexericas colhidas do pé:
– Oli seu moço, sô um homi simples, contadô di história, mai num sei lê não, visse? Gosto di insina um poco da vida pras criança, conto meus causo e elas fica toda filiz...
– Seu José...
– Podi mim chama de Zé, seu Zé, tá bom?
– Sim, senhor! Pois então seu Zé, meu trabalho é ensinar crianças, alfabetizá-las através da Bíblia. Desde menino tive esse sonho, porque nasci em uma família rica que pôde me dar tudo que sempre quis: as melhores escolas, roupas, brinquedos... E eu de dentro do carro, enquanto ia para a escola, via crianças pedindo um trocado, vendendo alguma coisa, sendo exploradas por homens e mulheres... Senti que tinha que fazer alguma coisa, porque frequentava a igreja e via as famílias mais pobres se sentarem nos últimos bancos em trajes simples e sedentos das Palavras de Vida Eterna.... então quando iniciei a faculdade tive de romper com minha família, pois não aceitaram que eu fosse um missionário e vivesse humildemente. Muito tempo se passou desde a última vez que vi meus pais. Vivo pela misericórdia de Deus! – enquanto narrava um trecho de sua vida, as lágrimas molhavam o chão e a alma do seu Zé.
– U moço mim deixô sem palavra... qui ocê acha de insina as criança daqui? Eu imprestu meu sítio procê insina.
– Deus é bom, seu Zé!
– I num é?!
– Eu estava orando para encontrar um lugar em que pudesse ensinar e encontrei o senhor. Obrigada Senhor por responder as minhas preces!
– Ô seu Artu... num fique assim não, num chore, visse minino! Eu sô uma pessoa humilde, num sei iscrevê, mais posso oferecê minha casinha procê insina as criançada. O que ocê pricisa é só mi pidi, tá bom?
– Obrigada seu Zé, Deus o abençoe!
Assim começava a escolinha, na qual Clarice que acabara de completar quinze anos conheceu a Jesus e auxiliou ao seu mestre a aproximar-se de mais crianças. Com seu trabalho todos os pais daquelas crianças foram alcançados, apenas os pais de Clarice recusaram a ajudar e opuseram-se a ideia de Clarice participar do trabalho de alfabetização, pois achavam perda de tempo estudar. As bíblias, folhetos tudo que utilizou para salvar a vida daquelas crianças foram doadas pela Sociedade Bíblica que fornece literatura e bíblia para todo o mundo, além de suprir as necessidades de pessoas como Artur.
Clarice quando criança ensejava estudar mais, mais que os quatro meses os quais uma professora itinerante poderia ofertar. E Deus, em sua infinita graça, escolheu Artur para revelar-se a menina, para mostrar que a vida era mais que trabalhar para comer e seu sonho de estudar era possível. Ela via a alegria daqueles seus amiguinhos brilhar em seus olhos; pôde presenciar a transformação daquelas vidas pela Palavra Viva. E desejou naquele instante ser como Artur.
Era muito grata ao seu Zé, o contador de história, foi ele quem germinou em sua alma o desejo de aprender mais, de conhecer mais que aquelas histórias... quando leu pela primeira vez a história do menino Jesus, quis saber quem era o Messias e Artur explicava com muita paciência e amor:
– Clarice, Ele é o Salvador do mundo, morreu por nossos pecados em uma cruz!
– Entendi, mas do que somos salvos? O que é pecado?
– Uma pergunta complementa a outra... – respondeu Artur enquanto sentava-se em um dos bancos improvisados com blocos para a escolinha – somos todos pecadores, porque vivemos em um mundo que Satanás opera. Bem, deixe-me ser mais claro. Veja Clarice: quando um amiguinho seu pega uma mexerica do seu Zé sem pedir, o que ele faz é certo? Ou então quando um outro usa o estilingue para matar um passarinho pelo prazer de vê-lo cair no chão, é certo?
– Bem... o seu Zé naquelas histórias dele vive dizendo que a gente não deve machucar os bichinhos, que isso é coisa de gente malvada! É verdade isso não é certo! Mas as mixiricas... ele diz que a gente pode pegar quando quiser.
– Então entendeu o que eu quis dizer... o pecado é exatamente isso: fazer uma coisa que alguém desaprova! E Jesus com a sua vida nos ensina a amar as pessoas, a não querer o que é delas, a amar tudo que Deus criou e respeitar.
– Nossa como é bom esse Jesus... ele ensina coisas muito boas!
– E não é só isso... só podemos agir como ele orienta se estivermos dominados pelo seu Espírito, porque é Ele quem nos ensina todas as coisas boas que Deus quer que façamos.
– Espírito?
– É Espírito Santo, ele habita dentro de nós quando somos batizados, é a garantia da vida eterna.
– Ah então eu não tenho...
– Como assim? Quantos anos você tem?
– Oras quinze...
– E seus pais não a batizaram?
– Não...
– E você deseja ser batizada e conhecer Jesus em seu íntimo? – Artur estava muito feliz por conhecer alguém tão ávido como Clarice. Orava por ela desde a primeira vez que a vira.
– Sabe Artur... um dia, eu sonhei que estava dentro do rio e de repente vi alguém se aproximando, essa pessoa brilhava, brilhava tanto que eu não conseguia olhar em seus olhos e aí chegou bem pertinho de mim e me perguntou se eu queria ser batizada e ser uma mensageira. No sonho, eu aceitava e o homem derramava água sobre a minha cabeça e dizia que me batizava em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Tive esse sonho tantas vezes e todas as vezes acordava chorando, mas era de alegria, como se eu fosse outra pessoa, sabe?
– Clarice, você deseja experimentar de novo essa sensação? – Artur estava tão emocionado com a narrativa de Clarice, que suas palavras saíram descompassadas e envoltas de lágrimas de regozijo.
– Sim, sim, sim... – mil vezes sim, jubilava Clarice, numa explosão de uma tão felicidade que Artur jamais sonhara em presenciar.
Em seguida, os dois entraram no rio que ficava à margem do sítio do seu Zé e Artur a batizou em nome da Trindade, esse era seu primeiro batismo desde que chegara ao vilarejo São Domingues. O rosto de Clarice resplandecia a face do Senhor em toda a Sua glória! Depois do batismo sentaram-se na grama para secarem as roupas:
– Como está se sentindo?
– Molhada e muito feliz! Sinto que sou outra pessoa, a mesma coisa que senti depois de acordar daquele sonho, uma alegria e uma vontade de gritar.
– Pois então grite!
E Clarice gritou:
– OBRIGADA SENHOR, OBRIGADA SENHOR!!!
Artur aproveitou a oportunidade para presenteá-la com uma bíblia. Ela abraçava, chorava e beijava tanto aquele precioso livro que fez Artur lembrar-se de uma linda história:
– Você me fez lembrar de uma menina que recebeu em seus braços uma bíblia e como você a beijou, abraçou... essa história tem duzentos anos.
– Oras e como conhece? Qual o nome dela?
– Porque foi a partir dela que muitas pessoas como você ganharam a sua primeira bíblia. Mary Jones, uma menina que vivia no País de Gales um país bem distante daqui perto da Inglaterra. Quando tinha dez anos desejou muito ter uma bíblia, mas naquele tempo era muito difícil conseguir uma, principalmente, porque ela era muito pobre...
– Como eu? – indagava Clarice com os olhos atentos a cada movimento de Artur.
– Talvez mais pobre... era a única filha de uma família de cristãos, nenhum deles sabia ler, foi matriculada numa escola numa vila próxima a que morava e dedicou-se aos estudos como você, e tornou-se uma das primeiras alunas da classe, mas seu sonho de ter uma bíblia ainda era distante, trabalhava em tudo que surgia para conseguir dinheiro e economizava muito. Ao final de um ano, a quantia ainda era insuficiente. A espera da menina durou longos seis anos, até que foi à igreja que congregava e pediu uma bíblia ao pastor, mas ele disse que era impossível encontrar em sua vila, ou mesmo nas vilas da vizinhança um exemplar da bíblia, contudo lembrou que na cidade de Bala havia um pastor que costumava ter exemplares da bíblia para vender. Mas a cidade ficava a quarenta quilômetros de sua vila.
– E o que aconteceu?
– Mary não poderia desistir de seu sonho, então pediu para seus pais para ir até lá, no início, eles não concordaram, mas oraram e deixaram que a menina fosse. Para economizar os sapatos, a pequena galesa, fez o percurso a pé para não desgastar seu único par de sapatos. Andou o dia todo, chegou um momento que não aguentava mais e parou...
– Ai não acredito!
– Acalme-se Clarice... Ela não iria desistir depois de tanto tempo, então, levantou-se caminhou um pouco mais e avistou a cidade de Bala. Fico imaginando o que ela sentiu naquele momento...
– É verdade, deve ter ficado muito alegre...
– Quando chegou na casa do pastor... Thomas Charles, Mary foi surpreendida com a notícia que não havia mais nenhum exemplar em sua língua. A menina chorou tanto e narrou a sua história ao pastor, ele ficou muito comovido com a sua história... história que iria mudar o mundo... e aí lembrou que ainda havia dois exemplares encomendados e um deles era em sua língua e deu a menina. Ela só abriu sua bíblia quando chegou em casa para ler com os pais. Depois disso, o pastor Thomas contou a outros a história de Mary e todos se inspiraram e ali decidiram que isso não poderia mais acontecer, que todos deveriam ter acesso fácil à bíblia. E depois de muito orarem esses homens fundaram a Sociedade Bíblica Britânica em dezembro de 1802 com o intuito de traduzir, imprimir e distribuir a bíblia. E assim depois de muitos anos, de muitas mortes, a bíblia alcançou a todos e hoje é o livro mais lido em todo o mundo. E todos que a leem são transformados pelo poder que suas palavras têm.
– Que história linda Artur! Mas como assim mortes?
– Muitos homens tiveram esse mesmo sonho que todos tivessem acesso à palavra de Deus revelada, mas foram mortos, bíblias foram queimadas até que tivéssemos total acesso a ela; há muitos ainda em países distantes do nosso que as pessoas são proibidas de ter, ou mesmo, ler uma bíblia.
– Nossa... Eu quero fazer alguma coisa para levar a bíblia para outras pessoas como eu. O que eu posso fazer? Meu sonho é ser professora como você e fazer a mesma coisa que fez por mim e por meus amigos.

Depois dessa longa conversa, Clarice cresceu, estudou e formou-se professora e casou-se com Artur; juntos trabalharam com crianças como ela fora um dia: pobres e sedentas pela verdadeira sabedoria. Tempos depois, decidiram trabalhar na escola dos pais de Artur em que implantaram um projeto para que as crianças da alta sociedade conhecessem estratos sociais carentes e fossem transformadas pela experiência de aprender e servir a outras crianças.
Constância foi uma dessas meninas que transformadas, incitaram aos pais para investir em escolas rurais para que pessoas como Clarice tivessem a mesma oportunidade de conhecer as letras e a Jesus.

Prêmio: 2º Lugar no Concurso Literário A História de Mary Jones - O início do movimento das Sociedades Bíblicas

Um comentário:

J.F.AGUIAR disse...

Parabéns!!! JU, você tem talento!!!
Estou feliz por você existir!!!

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