segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Visitação

"Não é trabalho do poeta contar as coisas como aconteceram, mas como desejaríamos que tivessem acontecido." Garcia Bacca


Meneando de quando em quando, Olavo passeava pelos cômodos de sua casa, cabisbaixo, embebido em seus pensamentos. Tivera uma discussão deveras acalorada com sua namorada, Irine.
Namoravam acerca de cinco anos; moravam juntos há quase dois. Durante o relacionamento, separaram-se por três vezes. Tinham quase a mesma idade intelectual: Olavo, trinta e Irine, vinte e cinco anos. A decisão de morarem juntos aconteceu, porque Olavo, por conta do emprego, precisava transferir-se para São Paulo. O amor bradou mais que as diferenças.
Viviam bem, no entanto, como qualquer rotina de casal, havia sempre algo a estremecê-los: sogras, trabalho, interesses pessoais. Como qualquer casal... O motivo pelo qual discutiam, entretanto, não era por banalidades do cotidiano. Irine exigia que Olavo fosse mais presente:
– Desde que viemos pra São Paulo, você age diferente comigo. Está sempre ocupado quando precisamos discutir nossa relação. Chega sempre, sempre tarde. Não me procura mais. Eu... eu – desatou a chorar – me sinto sozinha, conheço poucas pessoas aqui, não tenho ninguém pra conversar, pra falar sobre meus projetos. Inda não consegui me firmar num emprego. Comecei a escrever meu livro, mas essa solidão me desconcentra a todo instante. E onde está você? Quem é você, Olavo?
– Ni, eu a amo tanto... Sei que é difícil pra você, pra nós essa situação, mas entenda, o trabalho exige demais e eu... eu também me sinto assim, sozinho. Longe de casa, não é fácil a adaptação. Me desculpa, não posso prometer, mas tentarei passar mais tempo com você. Olavo também se ressentia por não participar tanto como queria de seu relacionamento, de não amá-la mais...
– Não quero ficar mais a discutir com você. O motivo de nossas conversas são sempre cobranças e mais de minha parte. Estou cansada de ser a chata, de ser tão incisiva conosco. Sempre falo o que penso e isso acaba comigo, quero ser diferente. Todas as vezes que nos separamos, era eu que pedia. Não quero mais, cansei dessa vida.
– Está bem! – assentia com a cabeça, ao passo que, Irine fixava os olhos no chão, inerte. Aproximou-se dela, abraçou-a e deu-lhe um beijo na face. – Eu te amo mais que tudo, mais que minha vida. Casa comigo?
– Sim – era a resposta esperada por Olavo, mas não naquele tom melancólico, depressivo.
– Casa comigo? – repetia a pergunta, enquanto genuflectia em sua frente e tomava-lhe a mão para colocar no anular o solitário.
– Sim, sim, eu me caso com você. Serei oficialmente a senhora Irine Pacheco Cajeron Almeida. Que acha? – Irine, estava feliz, mas pensava que o pedido, o casamento, não mudariam as diferenças e as dificuldades pelas quais passavam nos últimos dois anos. No seu íntimo, ainda ressentia-se pelas discussões, pelas ausências, mas estava feliz...
– Adorei! Você será oficialmente minha e de mais ninguém. Precisamos comemorar, que acha de um jantar?
– Certo! Me apronto em dois tempos.
Compartilharam duma noite tranquila, esqueceram, por algumas horas, das discussões. Irine, por toda à noite, contemplava o solitário e o par de olhos verdes de Olavo, os quais se destacavam entre a face branca e os cabelos negros.

Ressuscitara, uma antiga história do passado de Olavo ressurgia das cinzas como a bela fênix. Uma ruiva, de uma noite qualquer, assombrava os sonhos do cavalheiro Olavo. Tentou resistir-lhe o mais que pôde. Bastou uma noite, uma única noite para que Gisele engravidasse. Má sorte de principiante, Olavo jamais desejou outra mulher que não fosse Irine. Ambos foram, um para o outro, a descoberta do amor, dos prazeres, do sexo. Num dos momentos em que estavam separados, aconselhado pelos amigos, saiu à noite para “caçar mulher”. Mesmo que não fosse o que desejava, no íntimo, não queria ser motivo de gozação dos amigos, apesar de não ser mais um adolescente... E numa dessas noites em que saiu com os amigos, conheceu Gisele, amiga do amigo do amigo de Olavo. Conversaram sobre diversos assuntos, até que ela o convidou para que fossem a um lugar mais íntimo em que pudessem conversar mais à vontade. Ele, mesmo contrariado, consentiu. O fruto daquela noite chamava--se Otaviano (nome do avô de Gisele).

– Otaviano veio pra ficar, Olavo! Ele passou tempo demais longe do pai, mesmo que não queira, é seu filho e é essencial uma presença masculina em sua educação. Fique com ele por uns tempos, quando cansar leve-o de volta praquele fim de mundo que é Cabreuva. Para Gisele, a criança era um fardo, fruto de uma noite de prazer, com um belo par de olhos verdes, muito da infeliz. Despediu-se, apressadamente, do filho, enquanto o menino chorava desconsolado.
– Mamãe, num quero fica, por favor me leva com você. – rompia a chorar sofregamente. – O pai, sem muito saber que fazer, tomou-lhe nos braços. Era uma criança frágil, magricela, esculpida e talhada à figura do pai, exceto pela tonalidade dos cabelos alourados. Abraçou-o e prometeu devolvê-lo a mãe assim que ele quisesse.
O último encontro fora há dois anos, antes de se mudar. Irine tolerava o menino. Que fazer? Olavo era mesmo o pai, tinha de assumi-lo, amá-lo. A convivência seria difícil, e a tarefa de zelar pelo menino, educá-lo cabia agora a ela, pois o pai trabalhava... Otaviano era um menino introspectivo, introvertido, triste. Tinha apenas quatro anos e era obrigado a viver com o pai, o qual mal conhecia. A criança sempre tem de sofrer quando há a irresponsabilidade de atos impensados pelos adultos, os quais resultam numa gravidez indesejada, num filho não querido, não amado. Nesse caso, o remédio, o único remédio era tentar conhecê-lo, amá-lo.
Olavo levou o filho até o quarto, pois já passava das dez duma noite fria de outono paulista. A criança estava gelada, triste, desconsolada.
– Tavinho, o papai nem sabe o que dizer... Quero que se sinta como se estivesse em sua casa. Afinal, sou seu pai e de hoje em diante viveremos juntos, desejo muito vê-lo feliz. Não chore mais, filho. – enxugava-lhe as lágrimas. – Quando quiser poderá rever sua mãe, prometo. – Tirava-lhe a roupa, porque estava sujo, gelado e carecia d’um banho para lavar o corpo e alma daquela tristeza. Mal cabia nas roupas esfarrapadas, o aspecto era de uma criança abandonada.
Naquela noite, pai e filho choraram cada um num quarto. Aquele por ver a situação na qual o filho chegara aos seus braços: sujo, quase sem roupas. Este, por sua vez, rompia num choro de saudade da mãe, mesmo que não merecesse as lágrimas duma criança inocente, era a mãe...

Os dias correram, voaram apressados. A fisionomia de Tavinho mudara significativamente; entregue aos cuidados da mãe postiça, fora bem alimentado, recebera carinho, atenção. Matriculado numa boa escola, conquistou muitas amizades. – As crianças têm facilidade de relacionamento: são sinceras, ora estapeiam-se, ora brincam como se nada tivesse acontecido. Para elas, os dias correm normais. Normalíssimos.

Chegada à noite, Olavo entrou em casa, como nos dias anteriores, e recebeu a notícia de que Gisele havia morrido. Meses antes, voltou com o filho à cidade natal para que Otaviano pudesse rever a mãe, a qual estava com um carcinoma na mama. Fora um reencontro frio, o filho não reconhecera naquela mulher a mãe:
– Paiê , vamu volta pra casa co’a mamãe, por favor! Num quero fica aqui mais.
– Eu sou sua mãe, Tavo. Aquela lá é a mulher do seu pai, eu sou sua mãe, eu... – desatou a chorar. Que culpa o menino tinha se aquela mulher era-lhe estranha? Era sua mãe? Dois anos se passaram desde que abandonara o filho em São Paulo na casa do pai, sem notícias, sem telefonema algum. E queria exigir direito de mãe? Qual!

Irine era uma mulher dadivosa. Agraciou o enteado com um amor materno, o qual era desconhecido a ambos. Depois, vieram-lhe os filhos: Ana e Pedro. Os filhos mudaram o casamento, as brigas cessaram. Os dias corriam e Olavo fez-se presente mais que pôde a família. Era feliz. Era uma família feliz.

2 comentários:

Júlio César disse...

Que lindo Ju, muito envolvente me prendeu do começo ao fim...

Bjos J.C

J.F.AGUIAR disse...

Ju,eu li sua crônica,nos fala sobre
família,e situações que só serão superadas quando reconhecermos,as
orientações do Deus de amor.
Reconhecer os erros pedir perdão e
seguir em obediência ao nosso Deus.
O Senhor está sempre pronto para nos ajudar a recomeçar como sua
família.

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